Nossa terceira experiência como wwoofers foi em uma fazenda chamada Monte do Compromisso.

Diferentemente da primeira, aqui já contávamos com energia elétrica e um pouco mais de estrutura.Entretanto, a fazenda era bem maior e o trabalho também.

Leia esse texto e fique sabendo um pouco mais sobre como é a vida no Alentejo, no sul de Portugal.

Aproveitando o sol do Alentejo.

A região

O Alentejo é uma região geográfica, histórico e cultural de Portugal. Significa além do Tejo. O Rio Tejo, nasce na Espanha e 1000 km depois banha Lisboa e deságua no Oceano Atlântico. É uma região de belas e bucólicas paisagens, famosa pela produção de vinhos.

O povo alentejano é formado por gente simples e trabalhadora, que carrega no rosto as marcas de uma vida sob o sol do campo. Muito embora demostrem certa desconfiança inicialmente, basta um sorriso e duas palavras para quebrar o gelo.

É lá também que se produz o melhor pão de portugal, à moda antiga, no forno à lenha: o pão alentejano. Um pão rústico, de casca grossa, delicioso.

No Alentejo o tempo parece ter sua própria velocidade. Tudo acontece em outro ritmo, com muita calma, tranquilidade e leveza.  E vivendo por lá acabamos por ser influenciados por esse modo de levar a vida sem pressa. Foi lá que voltamos a sentir o tempo como aquilo que ele sempre foi: o nosso bem mais precioso.

Típica paisagem da Alentejo, Portugal.

O percurso

Saímos de Nazaré com destino a Ourique. Fomos de ônibus e a viagem levou cerca de 5 horas; percorremos aproximadamente 320 km. A passagem custou cerca de 20 €. Usamos muito a Rede Expressos para compra e pesquisa de preços de passagens de ônibus na internet. Os preços são bons, os autocarros super confortáveis, e geralmente, tem Wi-fi.

Dica: se você mora em Portugal pode fazer o cartão reflex que dá 50% de desconto nas passagens.

Nossos anfitriões Dieter e Angélika, foram nos encontrar na parada de ônibus e fomos direto para a fazenda. São um casal de alemães muito figuras, de uns 60 e poucos anos, falantes e muito simpáticos.

Localização

A vila mais próxima da nossa fazenda era Ourique, com menos de 2 mil habitantes, e que fica a 60 km de Beja e a 195 km da capital Lisboa.  O Monte do Compromisso, nossa fazenda, ficava a 12 km de Ourique.

Bem, sinceramente não há muito o que fazer em Ourique. A vila é muito pequenina. Entretanto, é conhecida como a Capital do Porco Alentejano, uma espécie de porco enorme e preto, muito especial (segundo eles) para a produção de linguiças e outras coisas das quais nunca provarei, já que sou vegetariana.Apesar de pequena, existem muitas datas festivas e eventos na vila ao longo do ano: veja o calendário de 2018.

Contudo, o que mais gostei em Ourique foi a biblioteca pública. Enorme para o tamanho da cidade, cheia de livros maravilhosos, e super fácil de se cadastrar: fizemos um simples registro com nome e passaporte e retiramos muitos livros! E pasmem, a vila de Ourique também tem um cinema. Mas, infelizmente não conseguimos ir, pois não tínhamos carro e ir e voltar de bicicleta no escuro não era muito motivante.

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Marina e a paisagem numa caminhada qualquer.

Primeiras impressões

Foram ótimas. A casa principal era linda e a fazenda um encanto. A cozinha era grande, super aconchegante e com um fogão à lenha espetacular. Além disso, ainda tinha duas cachorras lindas, Ninja e Maxi e algumas ovelhas, patos e galinhas.

E os nossos anfitriões pareciam ser muito legais.

Geralmente escolhemos fazendas sem animais, mas essa parecia ser tão legal que resolvemos arriscar. E deu certo! 

Gabriel e Ninja, fiel companheira.
Marina aproveitando o sol para ler.
Marina e sua ovelhinha barriguda.

Nossa família querida.

Marina e Maxxi
Monte do Compromisso, sempre calmo.

Estrutura e acomodações

Ficamos dois meses nessa fazenda. No primeiro deles dormimos em um quarto privado. Era bastante confortável, dentro da casa principal, onde também dormia o casal e outro voluntário, que já estava lá quando chegamos. Na casa também tinham dois banheiros, compartilhados por todos.

No segundo mês, eles resolveram nos dar mais privacidade e nos transferiram para um apartamento recém construído que no futuro seria alugado para hóspedes. Nem preciso dizer o quanto vibramos com a nossa nova casa! ?

O apartamento era completíssimo, novinho, super confortável, com banheiro, chuveiro, cozinha, sala e uma fogão à lenha incrível para esquentar as noites geladas. E super ensolarado durante o dia! Yupiii

Nosso flat no Monte do Compromisso.
Ensolarado e com um ótimo aquecedor.

Rotina e horário de trabalho

O combinado aqui era todos reunidos para o café da manhã na casa principal as 8h. Então conversávamos, eram discutidas as prioridades e definidas as tarefas do dia. Como a fazenda era grande e com alguns animais, havia sempre muito trabalho.  Horario de trabalho:

  • 8h e 30min às 12h – com intervalo para um café e lanchinho pelas 10h30min
  • 12h – almoço e descanso
  • 15h as 17h 
Aqui, assim como na Quinta do Atalaia, esse horário de trabalho era ótimo, pois a fazenda era isolada da cidade mais próxima. E como não tínhamos muito o que fazer, era legal preencher os dias com trabalho.  Os dias passavam muito rápido! E era sempre muito agradável.

O lugar era lindo, os trabalhos variados e sempre tínhamos a companhia de Ninja e Maxi, que passavam o dia trabalhando (brincando) com a gente.

O Monte do Compromisso foi sem dúvida o lugar onde ficamos mais isolados. Durante os finais de semana íamos de bicicleta até a vila de Ourique para comprar basicamente chocolates e algum vinho, tomar um cafezinho e usar a internet.

O trajeto até a vila era maravilhoso: paisagens bucólicas, muitos pássaros e um belíssimo céu azul! Se tem uma coisa que não posso deixar de comentar é sobre os tons de azul do céu de Portugal. É de uma cor impressionante. Acho que você vai conseguir perceber nas fotos.

Esse isolamento foi ótimo em muitos aspectos, e financeiramente falando, foi uma economia e tanto! Durante esses dois meses gastamos apenas 50 € (em vinhos e chocolates). E de fato, não sentíamos falta de nada nesse lugar.

Sentindo-se pequena.
Levando os cachorros para uma caminhada.
Muito feliz de estar nesse pequeno paraíso.

Trabalho

O trabalho era bem variado, e durante os dois meses em que estivemos na fazenda fizemos um pouco de tudo:

  • cuidamos da horta orgânica;
  • capinamos toda a propriedade tirando ervas daninhas;
  • trituramos madeiras secas com ajuda de uma máquina;
  • alimentamos as ovelhas, patos e galinhas;
  • limpamos o galinheiro e a casa das ovelhas;
  • colhemos pinhões; (e agora sabemos porque é tão caro!)
  • podamos os pinheiros e cortamos os galhos com ninhos de uma lagartas que é uma praga;
  • ajudamos a fazer tábuas de madeira para serem vendidas na feira de sementes: um importante evento da região, muito legal, do qual participamos!
  • eu Marina, ajudei cuidei das crianças (duas netinhas do casal, umas fofuras!) de vez em quando; 
  • ajudamos a cozinhar ou ficamos responsável pelo almoço alguns dias;
  • o Gabriel ajudou o Dieter a limpar um barco que ele estava construindo pra usar no açude;
  • e a tarefa mais legal: ficamos de caseiros, sozinhos, tomando conta de tudo por uma semana!
Resultado da colheita de pinhões.
Marina trabalhando no Pomar.
Com as roupas de chuva para o trabalho.
Carpindo um lote.
Ovelha orgânica.
Voltando aos tempos de infância.
Descansando depois do trabalho.
Experimentando uma calça nova.
Pensando na janta.

Alimentação

Todas as refeições eram feitas na casa principal. Todos sentávamos na enorme mesa da cozinha, e ao mesmo tempo em que comíamos, Dieter contava suas infinitas histórias e piadas. Às vezes a Marlene, filha do casal aparecia para comer com a gente, trazendo suas duas filhas, Marie de 3 anos e Clara de 6 meses. Umas fofas! ?

A comida era caseira e com muitas opções vegetarianas. Dieter e Angélica comiam carne, dos seus próprios animais. Entretanto, sempre havia muitas frutas e verduras na casa e em todas as refeições. A maior parte dos ingredientes vinham da própria horta orgânica da fazenda.

A Angélica, frequentemente, fazia sobremesas, ou nos dava chocolatinhos! E também faz o melhor pão do mundo, do qual temos imensa saudade. 

Os produtos que não eram da própria fazenda, vinham dos vizinhos, como o mel, geléias ou a farinha orgânica usada no pão. Lá acontece muita troca de produtos, o que achamos maravilhoso. No Monte do Compromisso comemos comida de verdade. E que delícia que foi!  Entre as refeições tínhamos frutas frescas e secas a disposição, chá e café, biscoitos, enfim, era uma fartura.

Aprendizados

Nessa fazenda aprendemos tanto! A começar pela história da família que é muito inspiradora: Eles saíram da Alemanha nos anos 70, com três filhos pequenos, um trailer e zero dinheiro. Chegaram no Alentejo, se apaixonaram e decidiram ficar.

Tiveram muitos momentos difíceis, sobretudo com relação ao dinheiro e ao idioma, o qual não falavam na época. No entanto, sempre deram um jeito usando a criatividade e o bom humor.

Hoje estão muito bem, e começam a colher os frutos desses 30 anos de trabalho árduo. O Monte do Compromisso é um lugar maravilhoso e um exemplo de como as coisas podem funcionar e se transformar.

A fazenda é totalmente orgânica, auto sustentável, ecológica e praticamente não gera lixo ou resíduo. Tudo vai pra composteira ou é reaproveitado.

A quantidade de lixo gerada por semana era praticamente inexistente, e estávamos sempre em 6 pessoas ou mais!

Um exemplo muito legal desse cuidado com o ambiente é o lago que rodeia quase toda a casa, e foi a última grande modificação na fazenda. O objetivo do lago é funcionar como reservatório de água, regulador de microclima (a região do Alentejo é quente e árida no verão) e serve ainda para a diversão da família e dos pequenos também. 

Os animais, ovelhas e galinhas, são tratadas como filhos e só recebem alimentos orgânicos. Certo dia dei para as ovelhas uma casca de banana não orgânica e tive que ouvir horas de explicação do porque eu não podia dar aquela banana para os animais. Maravilhoso!! 

O que aprendemos então:

  • a ser ainda mais cuidadosos com o meio ambiente;
  • a repensar em todos os nossos atos cotidianos, como o tempo do banho, a quantidade de detergente para lavar a louça,  de shampoo ou papel higiênico;
  • a confiar nas pessoas;
  • a ser agradecidos por tudo que sempre tivemos nas nossas vidas;
  • a ser mais tolerantes, mais pacientes e a respeitar o tempo e o ritmo das coisas;
  • a estar mais atentos aos sinais da natureza;
Aprendemos que sempre temos coisas a aprender. E que essas pessoas, mesmo não tendo muito, nos deram tudo!

Ficamos dois meses que passaram voando! E cuidamos de toda a propriedade enquanto Dieter e Angélica passaram uma semana na Alemanha visitando suas famílias. Jamais esqueceremos desses dias, correndo atrás das ovelhas rebeldes!

Agradecemos a confiança, a hospitalidade e queremos muito voltar pra ver se o lago está cheio! Partimos com lágrimas nos olhos, com uma nova família no coração e com a certeza de que voltaremos em breve!

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